o texto do mundo
Manuel Castro Caldas
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“O homem é um corpo esquisito, que não tem o centro de gravidade em si mesmo. / A nossa alma é transitiva. Precisa de um objecto que a afecte, como seu complemento directo, imediatamente. / Trata-se da relação mais grave (de modo algum da ordem do ter, mas do ser)./ (…) Por felicidade, contudo, o que é o ser? – Não há senão maneiras de ser, sucessivas. Há tantas quantos objectos. Tantas quanto os batimentos de pálpebras.” *
Francis Ponge
“É verdade que passei o meu tempo a escrever sobre esta noção de acontecimento: é que eu não acredito nas coisas.” **
Gilles Deleuze
Fotografias tiradas em 2006 no espaço onde Ana Santos terminava um projecto de formação mostram-na rodeada de materiais conotados com o desenho: cartolinas, rolos de papel de cenário, tinta-da-china, mas também madeira de balsa, essa parente próxima do papel, receptiva a jogos de cor e contraste, recorte ou construção ligeira. Ora intocadas, ora cobertas de vagas aguadas ou pinceladas informais (pseudo-imitações de fórmica ou mármore), as superfícies elevam-se do chão, enrolam-se, penduram-se ou formam construções instáveis, suscitando no espaço discretas presenças (Fig. 1 e 2). A execução rudimentar – um rascunho, uma anotação breve – convém ao que não aspira à objectivação, mas constitui, para usar a expressão de Peter Sloterdijk, uma “cristalização momentaneamente fixada do exercício – indicação duma deriva dum estado performativo para o seguinte”¹.
Poucos anos depois, esta deriva performativa surge no trabalho da artista de forma mais elaborada. As obras deixam de nascer na manipulação directa do material para serem trabalhadas, por assim dizer, a partir do meio – por onde “as coisas e as ideias crescem”². Objectos encontrados ao sabor do acaso, fragmentos acumulados e esquecidos no estúdio, peças industriais, um material visto de relance numa loja, tudo pode ser reconhecido como finalizado (Fig. 3) ou, em alternativa, motivar “adequadas” manipulações posteriores (posicionamentos no espaço, ablações ou adições, aplicação de cor, indução de movimento, eventual tradução num outro material, etc.) (Fig. 4, 5, 6 e 7). O gesto sobrepõe-se ao acto³: removidas do mundo dos factos consumados, as coisas mostram-nos, não o que elas são, mas o que elas podem.
Não se falará aqui de ready-mades, ou de ready-mades “assistidos”: a escultura, disciplina central no treino escolar de Ana Santos, forma alianças tópicas e operativas, não apenas com outras disciplinas (o desenho, a pintura, o cinema, a arquitectura, o design…), mas também com estilísticas, autorias e obras ancoradas no tempo da história, que a artista percorre num vaivém tão sóbrio quanto humorístico. Neste misto de jogo infantil e “atenção, completamente sem misturas” (a que Simone Weil chamava oração⁴) cada nova obra vai activar, a partir do zero, um acordo íntimo entre tempo e composição, deixando para trás, como diria o poeta Ponge, a “lembrança de um ímpeto fogoso, de um poema bizarro”⁵.
Tal como o poeta, Ana Santos parece acreditar que só o retorno do espírito às coisas pode refrescá-las. Mas esse retorno deve ainda acautelar que as coisas não sejam “lesadas”, descrevendo-as “do seu próprio ponto de vista”⁶. Atenção e jogo convertem-se em método: imobilizadas na repetição, onde um primeiro olhar tende a esvair-se, as coisas oscilam no tempo do exercício, mostram a visibilidade enquanto tal.
Com a criação de sucessivos objectos distintos (e distantes uns dos outros na sua constituição técnico-formal), Ana Santos opera uma espécie de inversão ritual do baptismo: cada coisa se apruma para perder o seu nome genérico, ao mesmo tempo que adquire um nome próprio – isso que Deleuze descrevia como designando “forças, acontecimentos, movimentos e móveis, ventos, tufões, doenças, lugares e momentos, bem antes de [designar] pessoas”⁷.
A partir de 2017 este procedimento sofre nova deriva com uma “série” de peças de chão verticais, compostas essencialmente por elementos tubulares de PVC ou aço, braçadeiras, fio de poliéster colorido e/ou pintura metalizada (Fig. 8, 9 e 10). De peça em peça, a exploração das opções construtivas suscitadas pelo reduzido leque de materiais – a que se vem juntar a adopção de escalas, posturas espaciais e dimensões semelhantes – irá obliterar o carácter industrial dos componentes em prol da natureza teatral do conjunto. Repetições e diferenças (duplo/múltiplo, rígido/flexível, metálico/colorido, apoiado/elevado, etc.) equilibram-se na incessante transformação de “figuras” em “cenas” e vice-versa, quer no interior de cada peça, quer nas suas relações mútuas. Os protagonismos, acções e enredos pronunciam-se no infinitivo – estender, receber, apoiar, brilhar, mostrar…– e cada novo objecto aceita declinar-se em formas, posturas, cromatismos e “embelezamentos” lumínicos que caracterizam a sua possibilidade.
Implícita em todo o trabalho da artista, torna-se aqui explícita uma coexistência finamente calibrada entre gravitas e teatralidade, solenidade e dramatização, em particular nas peças de 2021-2022 constituídas por um elemento vertical único (ou vários unidos como se o fossem). Braçadeiras, fios de poliéster e ligações metálicas, convertidos em reluzentes adornos, pontuam, aderem ou acrescentam-se aos corpos lisos e subtilmente coloridos (Figs. 11, 12, 13 e 14). Sem falsos pudores, a natureza cénica-cerimonial de todo o empreendimento exibe-se em “traje de gala”.
Acresce que a atmosfera de discreta opulência que envolve a família das peças verticais não deixa de integrar – sem lhes roubar autonomia – obras contemporâneas de menores dimensões, de chão ou de parede, que por associação surgem como seus atributos, emblemas ou adereços de palco (Figs. 15 e 16).
À questão do nome, quiçá ainda demasiado “privada”, vem juntar-se a questão mais “pública” dos rituais de reconhecimento/consagração na arte. Passamos do baptismo à Apresentação no Templo.
Ana Santos tem consciência de que uma postura bélica, como a que as vanguardas históricas tantas vezes adoptaram na sua guerra contra a representação, se viria hoje simplesmente a cifrar (como qualquer guerra na era dos media) em mais son et lumières. O desdobramento contínuo das superficies e dos elementos materiais – que nas peças ditas “tubulares” surge como o procedimento, barroco por excelência, que diferencia cada peça da precedente – sugere uma atitude operativa e uma reflexão face à experimentação e aos limites da sua actual eficácia, que estão nos antípodas da provocação modernista. Se esta separava os vivos dos mortos, impondo coercivamente aos primeiros o que endereçava de facto aos segundos, o mundo da possibilidade que a artista recompõe, com leveza de gestos, a partir dos seus pedaços, implica desde logo não distinguir uns dos outros.
Solar e isento de qualquer morbidez, o trabalho de Ana Santos não deixa de acolher com lucidez e candura o perfume da ruína – iminente nas peças “narrativas”, evidente naquelas onde a dissemelhança e as disparidades técnico-formais eram regra. Ambas, unidas como irmãs, parecem por momentos alhear-se do seu ingresso no “museu”, onde se amontoam – todas primogénitas – as encarnações do Novo.
* “L’homme est un drôle de corps, qui n’a pas son centre de gravité en lui-même. / Notre âme est transitive. Il lui faut un objet, qui l’affecte, comme son complément direct, aussitôt. / Il s’agit du rapport le plus grave (non du tout de l’avoir, mais de l’être). (…) Par bonheur, pourtant, qu’est-ce l’être? – Il n’est que des façons d’être successives. Il en est autant que d’objets. Autant que de battements de paupières”. Francis Ponge, Alguns Poemas, trad. Manuel Gusmão (Lisboa: Cotovia, 1996), p. 132.
** “C’est vrai que j’ai passé mon temps à écrire sur cette notion d’événement: c’est que je ne crois pas aux choses.” Gilles Deleuze, Pourparlers (Paris: Minuit, 1990), p. 218.
NOTAS:
1. “Ninguém (…) pode hoje ser credível como contemporâneo se não sentir até que ponto a dimensão performance está a passar à frente da dimensão trabalho. (…) A arte deixa com frequência de estar no mundo na forma de resultado autónomo, definitivamente separada das suas condições de nascimento e deslocada, pelo rótulo ‘acabada’, para a esfera da pura objetivação, para passar a estar como cristalização momentaneamente fixada do exercício – indicação duma deriva dum estado performativo para o seguinte”. Peter Sloterdijk, Tens de Mudar de Vida – Sobre Antropotécnica, trad. Carlos Leite (Lisboa: Relógio D’ Água, 2018), 267.
2. “(…) o que conta, não são os inícios e os finais, mas o meio. As coisas desenvolvem-se ou crescem pelo meio, e é aí que nos devemos instalar (…).” / “(…) ce qui compte, ce ne sont pas les débuts ni les fins, mais le milieu. Les choses et les pensées poussent ou grandissent par le milieu, et c’est là qu’il faut s’installer (…).” Gilles Deleuze, Pourparlers (Paris: Minuit, 1990), p. 131.
3. “O que é um gesto? Qualquer coisa como o suplemento de um acto. O acto é transitivo, quer somente suscitar um objecto, um resultado; o gesto, é a soma indeterminada e inesgotável das razões, das pulsões, das preguiças que envolvem o acto numa atmosfera (no sentido astronómico do termo).” / “Qu’est-ce qu’un geste? Quelque chose comme le supplément d’un acte. L’acte est transitif, il veut seulement susciter un objet, un résultat; le geste, c’est la somme indéterminée et inépuisable des raisons, des pulsions, des paresses qui entourent l’acte d’une atmosphère (au sens astronomique du terme).” Roland Barthes, “Cy Twombly ou ‘Non multa sed multum’” [1979], in Cy Twombly (Paris: Seuil, 2016) p. 41.
4. Simone Weil, A Gravidade e a Graça, trad. Dóris Graça Dias (Lisboa: Relógio d’Água, 2004), p. 118.
5. Cada andorinha incansavelmente se precipita - infalivelmente ela se exercita - na / assinatura, segundo sua espécie, dos céus. / Pluma mordaz, molhada na tinta azul-ferrete, você se escreve rápido! / Se traço aí não permanece... / Senão, na memória, a lembrança de um ímpeto fogoso, de um poema / bizarro, (…)”. / “Chaque hirondelle inlassablement se précipite - infailliblement elle s' exerce - à la / signature, selon son espece, des cieux... / Plume acérée, trempée dans l' encre bleue-noire, tu t' écris vite! / Si trace n'en demeure... / Sinon, dans la mémoire, le souvenir d'un élan fougueux, d'un poeme bizarre, (…)” Roseli de Fátima Dias Almeida Barbosa, “A Tradução de Francis Ponge Placée en Abîme” (dissertação apresentada ao Departamento de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas, 2003), Anexo 1, pp. 106-107.
6. “Se as chamo razões é porque são retornos do espírito às coisas. Só o espírito pode refrescar as coisas. Note-se de resto que estas razões apenas são justas ou válidas se o espírito volta às coisas de uma maneira aceitável para elas: quando elas não são lesadas, e por assim dizer são descritas do seu próprio ponto de vista. / «Si je les nomme raisons c'est que ce sont des retours de l'esprit aux choses. Il n'y a que l'esprit pour rafraîchir les choses. Notons d'ailleurs que ces raisons sont justes ou valables seulement si l'esprit retourne aux choses d'une manière acceptable par les choses: quand elles ne sont pas lésées, et pour ainsi dire qu'elles sont décrites de leur propre point de vue.” Francis Ponge, “Raisons de vivre heureux”, Wikipoemes (https://www.wikipoemes.com/poemes/francis-ponge/raisons-de-vivre-heureux.php).
7. Deleuze, ibid., p. 52.
THE TEXT OF THE WORLD
Manuel Castro Caldas
“Man is a curious body whose centre of gravity is not in himself. / Our soul is transitive. It needs an object that affects it, immediately, like a direct complement. / It is a matter of the most serious relationship (not at all with having but with being)./ (…) But what, luckily, is being, after all? Only a succession of ways of being. There are as many as objects. As many as the blinkings of an eyelid.” *
Francis Ponge
“I have, it's true, spent a lot of time writing about this notion of event: you see, I don’t believe in things.” **
Gilles Deleuze
Photographs taken in 2006, in the space where Ana Santos was finishing a course project, show her surrounded by drawing-related materials: cardboard, rolls of poster board, Indian ink, but also balsa wood, that close relative of paper, amenable to plays on colour and contrast, as well as to cutting and light construction. At times untouched, at others covered with vague water stains or informal brushstrokes (pseudo-imitations of Formica or marble), the surfaces rise from the ground, curl up, hang or form unstable constructions, giving rise to discrete presences in space (Figs. 1, 2). The rudimentary execution – a sketch, a brief annotation – is suitable for that which does not aspire to objectification, but constitutes, to use Peter Sloterdijk's expression, a “practice crystal frozen in the moment – an indication of a drift from one performative state to the next.”¹.
A few years later, this performative drift appears in the artist's work in a more elaborate form. The works are no longer born out of the direct manipulation of the material, but are, so to speak, worked out from the middle – from where “things and ideas grow”². Objects found at random, fragments accumulated and forgotten in the studio, industrial parts, a material spotted in a shop, everything can be recognised as finished (Fig. 3) or, alternatively, prompt “appropriate” subsequent manipulations (positionings in space, ablations or additions, colouring, movement induction, eventual transformation into another material, etc.) (Figs. 4, 5, 6 and 7). The gesture overlaps the act³: removed from the world of fait accompli, things show us not what they are, but what they can be.
We will not speak here of ready-mades, or of “assisted” ready-mades: sculpture, the central discipline in Ana Santos' training, forms topical and operative alliances, not only with other disciplines (drawing, painting, cinema, architecture, design, and so on), but also with styles, authorships and works anchored in history’s time, through which the artist wanders in a journey as sober as it is humorous. In this mixture of childish play and “absolutely unmixed attention” (which Simone Weil called prayer⁴) each new work will trigger, from scratch, an intimate agreement between time and composition, leaving behind, as the poet Ponge would say, the “memory of a fiery impetus, of a strange poem”⁵.
Like Ponge, Ana Santos seems to believe that returning the spirit to things is the only way in which to refresh them. But this return must also ensure that things are not “damaged”, describing them “from their own point of view”⁶. Attention and play become method: immobilised in repetition, where a first glance tends to fade away, things oscillate in the time of the exercise, showing visibility for what it is.
By creating successive distinct objects (distanced from each other in their technical and formal constitution), Ana Santos performs a kind of ritual inversion of baptism: each thing is ready to lose its generic name, at the same time acquiring its first name – that which Deleuze described as designating “forces, events, movements and moving objects, winds, typhoons, diseases, places and moments, before [they designate] persons”⁷.
From 2017 onwards, this process has undergone a new drift with a “series” of vertical floor pieces, composed primarily of PVC or steel tubular elements, brackets, coloured polyester thread and/or metallic paint (Figs. 8, 9 and 10). From piece to piece, the exploration of the constructive options arising from the limited range of materials – together with the adoption of similar scales, spatial postures and dimensions – obliterates the industrial aspect of the components, favouring the theatrical nature of the whole. Repetitions and differences (double/multiple, rigid/flexible, metallic/coloured, supported/raised, etc.) are balanced in the incessant transformation of “figures” into “scenes” and vice-versa, both within each piece and in their mutual relationships. The protagonisms, actions and plots are expressed in the infinitive – to extend, to receive, to support, to shine, to show, etc. – and each new object consents to declining itself in terms of forms, postures, colours and luminous “embellishments” that characterise its possibility.
Implicit in all the artist's work, a finely calibrated coexistence between gravitas and theatricality, solemnity and dramatisation becomes explicit here, particularly in the pieces from 2021-2022, consisting of a single vertical element (or several joined, as if a single element). Brackets, polyester threads and metal fittings, converted into glittering adornments, punctuate, attach to or supplement the smooth, subtly coloured bodies (Figs. 11, 12, 13 and 14). Without any false modesty, the scenic and ceremonial nature of the entire undertaking is displayed in “gala attire”.
Moreover, the atmosphere of discreet opulence that surrounds the group of vertical pieces also integrates – without robbing them of their autonomy – smaller contemporary floor or wall works, which by association appear as their attributes, emblems or stage props (Figs. 15 and 16).
To the question of the name, which is perhaps still too “private”, is added the more “public” question of the rituals of recognition/consecration in art. We move from baptism to Presentation in the Temple.
Ana Santos is aware that a belligerent attitude, like the one the historical vanguards so often adopted in their war against representation, would today simply become (like any war in the media age) more son et lumières. The continuous unfolding of surfaces and material elements – which in the so-called “tubular” pieces emerges as the process, baroque par excellence, that differentiates each piece from the preceding one – suggests an operative approach and a reflection on experimentation and the limits of its current efficacy, which are the opposite of modernist defiance. If the latter separated the living from the dead, coercively imposing on the former what it in fact extended to the latter, the world of possibility that the artist, with a lightness of gesture, reconstructs from its bits and pieces, implies not distinguishing one from the other.
Sunny and free from any morbidity, Ana Santos' work nonetheless embraces, with lucidity and candour, the scent of ruin – imminent in the “narrative” pieces, evident in those where dissimilarity and technical and formal disparities were the rule. Bonded like sisters, both seem momentarily oblivious of their entry into the “museum”, where incarnations of the New – all first-borns – are amassed.
* “L’homme est un drôle de corps, qui n’a pas son centre de gravité en lui-même. / Notre âme est transitive. Il lui faut un objet, qui l’affecte, comme son complément direct, aussitôt. / Il s’agit du rapport le plus grave (non du tout de l’avoir, mais de l’être). (…) Par bonheur, pourtant, qu’est-ce l’être? – Il n’est que des façons d’être successives. Il en est autant que d’objets. Autant que de battements de paupières”. Francis Ponge, “L’objet c’est la poétique”, in Nouveau Recueil (Paris: Gallimard, 1967).
** “C’est vrai que j’ai passé mon temps à écrire sur cette notion d’événement: c’est que je ne crois pas aux choses.” Gilles Deleuze, Pourparlers (Paris: Minuit, 1990).
NOTES:
1. “No one can be credible as a contemporary today, then, unless they sense how the performative dimension is overtaking the work dimension. (…) [Art] often no longer stands in the world as an autonomous result, eternally severed from its conditions of birth and transposed to the sphere of pure objectification through the label ‘finished’, but rather as a practice crystal frozen in the moment – an indication of a drift from one performative state to the next”. Peter Sloterdijk, You must change your life, trans. W.Hoban (Cambridge: Polity Press, 2013), 211-12:
2. “(…) it's not beginnings and ends that count, but middles. Things and thoughts advance or grow out from the middle, and that's where you have to get to work (…).” / “(…) ce qui compte, ce ne sont pas les débuts ni les fins, mais le milieu. Les choses et les pensées poussent ou grandissent par le milieu, et c’est là qu’il faut s’installer (…).” Gilles Deleuze, Pourparlers (Paris: Minuit, 1990), p. 131.
3. “What is a gesture? Something like the surplus of an action. The action is transitive, it seeks only to provoke an object, a result; the gesture is the indeterminate and inexhaustible total of reasons, pulsions, indolences which surround the action with an atmosphere (in the astronomical sense of the word).” / “Qu’est-ce qu’un geste? Quelque chose comme le supplément d’un acte. L’acte est transitif, il veut seulement susciter un objet, un résultat; le geste, c’est la somme indéterminée et inépuisable des raisons, des pulsions, des paresses qui entourent l’acte d’une atmosphère (au sens astronomique du terme).” Roland Barthes, “Cy Twombly or ‘Non multa sed multum’” [1979], in Cy Twombly (Paris: Seuil, 2016), p. 41.
4. Simone Weil, Gravity and Grace, trans. Emma Craufurd, in Simone Weil. An Anthology (London: Penguin Books, 2005), p. 232.
5. Each swallow indefatigably hurls itself at—constantly practises—a signature, of its own kind, on the sky. / Steel pen, dipped in blue-black ink, you write yourself so fast! / That you leave no mark... / Except, in recollection, the memory of a fiery impetus, of a strange poem, (…)”. / “Chaque hirondelle inlassablement se précipite - infailliblement elle s' exerce - à la / signature, selon son espece, des cieux .. / Plume acérée, trempée dans l' encre bleue-noire, tu t' écris vite! / Si trace n'en demeure .../ Sinon, dans la mémoire, le souvenir d'un élan fougueux, d'un poeme bizarre, (…).” Francis Ponge, Selected Poems, trans. Margaret Guiton, John Montague, and C. K. Williams (Winston-Salem, NC: Wake Forest Univ. Press, 1994), p. 177.
6. If I call them reasons, it is because they lead the mind back to things. Only the mind can refresh things. However, these reasons are right and valid only insofar as the mind returns to things in a way acceptable to things: when they are not slighted, that is, when they are described from their own point of view. / “Si je les nomme raisons c'est que ce sont des retours de l'esprit aux choses. Il n'y a que l'esprit pour rafraîchir les choses. Notons d'ailleurs que ces raisons sont justes ou valables seulement si l'esprit retourne aux choses d'une manière acceptable par les choses: quand elles ne sont pas lésées, et pour ainsi dire qu'elles sont décrites de leur propre point de vue.” Francis Ponge, “Raisons de vivre heureux”, Wikipoemes (https://www.wikipoemes.com/poemes/francis-ponge/raisons-de-vivre-heureux.php).
7. Deleuze, ibid., p. 52.
O TEXTO DO MUNDO
Manuel Castro Caldas
“O homem é um corpo esquisito, que não tem o centro de gravidade em si mesmo. / A nossa alma é transitiva. Precisa de um objecto que a afecte, como seu complemento directo, imediatamente. / Trata-se da relação mais grave (de modo algum da ordem do ter, mas do ser)./ (…) Por felicidade, contudo, o que é o ser? – Não há senão maneiras de ser, sucessivas. Há tantas quantos objectos. Tantas quanto os batimentos de pálpebras.” *
Francis Ponge
“É verdade que passei o meu tempo a escrever sobre esta noção de acontecimento: é que eu não acredito nas coisas.” **
Gilles Deleuze
Fotografias tiradas em 2006 no espaço onde Ana Santos terminava um projecto de formação mostram-na rodeada de materiais conotados com o desenho: cartolinas, rolos de papel de cenário, tinta-da-china, mas também madeira de balsa, essa parente próxima do papel, receptiva a jogos de cor e contraste, recorte ou construção ligeira. Ora intocadas, ora cobertas de vagas aguadas ou pinceladas informais (pseudo-imitações de fórmica ou mármore), as superfícies elevam-se do chão, enrolam-se, penduram-se ou formam construções instáveis, suscitando no espaço discretas presenças (Fig. 1 e 2). A execução rudimentar – um rascunho, uma anotação breve – convém ao que não aspira à objectivação, mas constitui, para usar a expressão de Peter Sloterdijk, uma “cristalização momentaneamente fixada do exercício – indicação duma deriva dum estado performativo para o seguinte”¹.
Poucos anos depois, esta deriva performativa surge no trabalho da artista de forma mais elaborada. As obras deixam de nascer na manipulação directa do material para serem trabalhadas, por assim dizer, a partir do meio – por onde “as coisas e as ideias crescem”². Objectos encontrados ao sabor do acaso, fragmentos acumulados e esquecidos no estúdio, peças industriais, um material visto de relance numa loja, tudo pode ser reconhecido como finalizado (Fig. 3) ou, em alternativa, motivar “adequadas” manipulações posteriores (posicionamentos no espaço, ablações ou adições, aplicação de cor, indução de movimento, eventual tradução num outro material, etc.) (Fig. 4, 5, 6 e 7). O gesto sobrepõe-se ao acto³: removidas do mundo dos factos consumados, as coisas mostram-nos, não o que elas são, mas o que elas podem.
Não se falará aqui de ready-mades, ou de ready-mades “assistidos”: a escultura, disciplina central no treino escolar de Ana Santos, forma alianças tópicas e operativas, não apenas com outras disciplinas (o desenho, a pintura, o cinema, a arquitectura, o design…), mas também com estilísticas, autorias e obras ancoradas no tempo da história, que a artista percorre num vaivém tão sóbrio quanto humorístico. Neste misto de jogo infantil e “atenção, completamente sem misturas” (a que Simone Weil chamava oração⁴) cada nova obra vai activar, a partir do zero, um acordo íntimo entre tempo e composição, deixando para trás, como diria o poeta Ponge, a “lembrança de um ímpeto fogoso, de um poema bizarro”⁵.
Tal como o poeta, Ana Santos parece acreditar que só o retorno do espírito às coisas pode refrescá-las. Mas esse retorno deve ainda acautelar que as coisas não sejam “lesadas”, descrevendo-as “do seu próprio ponto de vista”⁶. Atenção e jogo convertem-se em método: imobilizadas na repetição, onde um primeiro olhar tende a esvair-se, as coisas oscilam no tempo do exercício, mostram a visibilidade enquanto tal.
Com a criação de sucessivos objectos distintos (e distantes uns dos outros na sua constituição técnico-formal), Ana Santos opera uma espécie de inversão ritual do baptismo: cada coisa se apruma para perder o seu nome genérico, ao mesmo tempo que adquire um nome próprio – isso que Deleuze descrevia como designando “forças, acontecimentos, movimentos e móveis, ventos, tufões, doenças, lugares e momentos, bem antes de [designar] pessoas”⁷.
A partir de 2017 este procedimento sofre nova deriva com uma “série” de peças de chão verticais, compostas essencialmente por elementos tubulares de PVC ou aço, braçadeiras, fio de poliéster colorido e/ou pintura metalizada (Fig. 8, 9 e 10). De peça em peça, a exploração das opções construtivas suscitadas pelo reduzido leque de materiais – a que se vem juntar a adopção de escalas, posturas espaciais e dimensões semelhantes – irá obliterar o carácter industrial dos componentes em prol da natureza teatral do conjunto. Repetições e diferenças (duplo/múltiplo, rígido/flexível, metálico/colorido, apoiado/elevado, etc.) equilibram-se na incessante transformação de “figuras” em “cenas” e vice-versa, quer no interior de cada peça, quer nas suas relações mútuas. Os protagonismos, acções e enredos pronunciam-se no infinitivo – estender, receber, apoiar, brilhar, mostrar…– e cada novo objecto aceita declinar-se em formas, posturas, cromatismos e “embelezamentos” lumínicos que caracterizam a sua possibilidade.
Implícita em todo o trabalho da artista, torna-se aqui explícita uma coexistência finamente calibrada entre gravitas e teatralidade, solenidade e dramatização, em particular nas peças de 2021-2022 constituídas por um elemento vertical único (ou vários unidos como se o fossem). Braçadeiras, fios de poliéster e ligações metálicas, convertidos em reluzentes adornos, pontuam, aderem ou acrescentam-se aos corpos lisos e subtilmente coloridos (Figs. 11, 12, 13 e 14). Sem falsos pudores, a natureza cénica-cerimonial de todo o empreendimento exibe-se em “traje de gala”.
Acresce que a atmosfera de discreta opulência que envolve a família das peças verticais não deixa de integrar – sem lhes roubar autonomia – obras contemporâneas de menores dimensões, de chão ou de parede, que por associação surgem como seus atributos, emblemas ou adereços de palco (Figs. 15 e 16).
À questão do nome, quiçá ainda demasiado “privada”, vem juntar-se a questão mais “pública” dos rituais de reconhecimento/consagração na arte. Passamos do baptismo à Apresentação no Templo.
Ana Santos tem consciência de que uma postura bélica, como a que as vanguardas históricas tantas vezes adoptaram na sua guerra contra a representação, se viria hoje simplesmente a cifrar (como qualquer guerra na era dos media) em mais son et lumières. O desdobramento contínuo das superficies e dos elementos materiais – que nas peças ditas “tubulares” surge como o procedimento, barroco por excelência, que diferencia cada peça da precedente – sugere uma atitude operativa e uma reflexão face à experimentação e aos limites da sua actual eficácia, que estão nos antípodas da provocação modernista. Se esta separava os vivos dos mortos, impondo coercivamente aos primeiros o que endereçava de facto aos segundos, o mundo da possibilidade que a artista recompõe, com leveza de gestos, a partir dos seus pedaços, implica desde logo não distinguir uns dos outros.
Solar e isento de qualquer morbidez, o trabalho de Ana Santos não deixa de acolher com lucidez e candura o perfume da ruína – iminente nas peças “narrativas”, evidente naquelas onde a dissemelhança e as disparidades técnico-formais eram regra. Ambas, unidas como irmãs, parecem por momentos alhear-se do seu ingresso no “museu”, onde se amontoam – todas primogénitas – as encarnações do Novo.
* “L’homme est un drôle de corps, qui n’a pas son centre de gravité en lui-même. / Notre âme est transitive. Il lui faut un objet, qui l’affecte, comme son complément direct, aussitôt. / Il s’agit du rapport le plus grave (non du tout de l’avoir, mais de l’être). (…) Par bonheur, pourtant, qu’est-ce l’être? – Il n’est que des façons d’être successives. Il en est autant que d’objets. Autant que de battements de paupières”. Francis Ponge, Alguns Poemas, trad. Manuel Gusmão (Lisboa: Cotovia, 1996), p. 132.
** “C’est vrai que j’ai passé mon temps à écrire sur cette notion d’événement: c’est que je ne crois pas aux choses.” Gilles Deleuze, Pourparlers (Paris: Minuit, 1990), p. 218.
NOTAS:
1. “Ninguém (…) pode hoje ser credível como contemporâneo se não sentir até que ponto a dimensão performance está a passar à frente da dimensão trabalho. (…) A arte deixa com frequência de estar no mundo na forma de resultado autónomo, definitivamente separada das suas condições de nascimento e deslocada, pelo rótulo ‘acabada’, para a esfera da pura objetivação, para passar a estar como cristalização momentaneamente fixada do exercício – indicação duma deriva dum estado performativo para o seguinte”. Peter Sloterdijk, Tens de Mudar de Vida – Sobre Antropotécnica, trad. Carlos Leite (Lisboa: Relógio D’ Água, 2018), 267.
2. “(…) o que conta, não são os inícios e os finais, mas o meio. As coisas desenvolvem-se ou crescem pelo meio, e é aí que nos devemos instalar (…).” / “(…) ce qui compte, ce ne sont pas les débuts ni les fins, mais le milieu. Les choses et les pensées poussent ou grandissent par le milieu, et c’est là qu’il faut s’installer (…).” Gilles Deleuze, Pourparlers (Paris: Minuit, 1990), p. 131.
3. “O que é um gesto? Qualquer coisa como o suplemento de um acto. O acto é transitivo, quer somente suscitar um objecto, um resultado; o gesto, é a soma indeterminada e inesgotável das razões, das pulsões, das preguiças que envolvem o acto numa atmosfera (no sentido astronómico do termo).” / “Qu’est-ce qu’un geste? Quelque chose comme le supplément d’un acte. L’acte est transitif, il veut seulement susciter un objet, un résultat; le geste, c’est la somme indéterminée et inépuisable des raisons, des pulsions, des paresses qui entourent l’acte d’une atmosphère (au sens astronomique du terme).” Roland Barthes, “Cy Twombly ou ‘Non multa sed multum’” [1979], in Cy Twombly (Paris: Seuil, 2016) p. 41.
4. Simone Weil, A Gravidade e a Graça, trad. Dóris Graça Dias (Lisboa: Relógio d’Água, 2004), p. 118.
5. Cada andorinha incansavelmente se precipita - infalivelmente ela se exercita - na / assinatura, segundo sua espécie, dos céus. / Pluma mordaz, molhada na tinta azul-ferrete, você se escreve rápido! / Se traço aí não permanece... / Senão, na memória, a lembrança de um ímpeto fogoso, de um poema / bizarro, (…)”. / “Chaque hirondelle inlassablement se précipite - infailliblement elle s' exerce - à la / signature, selon son espece, des cieux... / Plume acérée, trempée dans l' encre bleue-noire, tu t' écris vite! / Si trace n'en demeure... / Sinon, dans la mémoire, le souvenir d'un élan fougueux, d'un poeme bizarre, (…)” Roseli de Fátima Dias Almeida Barbosa, “A Tradução de Francis Ponge Placée en Abîme” (dissertação apresentada ao Departamento de Linguística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas, 2003), Anexo 1, pp. 106-107.
6. “Se as chamo razões é porque são retornos do espírito às coisas. Só o espírito pode refrescar as coisas. Note-se de resto que estas razões apenas são justas ou válidas se o espírito volta às coisas de uma maneira aceitável para elas: quando elas não são lesadas, e por assim dizer são descritas do seu próprio ponto de vista. / «Si je les nomme raisons c'est que ce sont des retours de l'esprit aux choses. Il n'y a que l'esprit pour rafraîchir les choses. Notons d'ailleurs que ces raisons sont justes ou valables seulement si l'esprit retourne aux choses d'une manière acceptable par les choses: quand elles ne sont pas lésées, et pour ainsi dire qu'elles sont décrites de leur propre point de vue.” Francis Ponge, “Raisons de vivre heureux”, Wikipoemes (https://www.wikipoemes.com/poemes/francis-ponge/raisons-de-vivre-heureux.php).
7. Deleuze, ibid., p. 52.
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THE TEXT OF THE WORLD
Manuel Castro Caldas
“Man is a curious body whose centre of gravity is not in himself. / Our soul is transitive. It needs an object that affects it, immediately, like a direct complement. / It is a matter of the most serious relationship (not at all with having but with being)./ (…) But what, luckily, is being, after all? Only a succession of ways of being. There are as many as objects. As many as the blinkings of an eyelid.” *
Francis Ponge
“I have, it's true, spent a lot of time writing about this notion of event: you see, I don’t believe in things.” **
Gilles Deleuze
Photographs taken in 2006, in the space where Ana Santos was finishing a course project, show her surrounded by drawing-related materials: cardboard, rolls of poster board, Indian ink, but also balsa wood, that close relative of paper, amenable to plays on colour and contrast, as well as to cutting and light construction. At times untouched, at others covered with vague water stains or informal brushstrokes (pseudo-imitations of Formica or marble), the surfaces rise from the ground, curl up, hang or form unstable constructions, giving rise to discrete presences in space (Figs. 1, 2). The rudimentary execution – a sketch, a brief annotation – is suitable for that which does not aspire to objectification, but constitutes, to use Peter Sloterdijk's expression, a “practice crystal frozen in the moment – an indication of a drift from one performative state to the next.”¹
A few years later, this performative drift appears in the artist's work in a more elaborate form. The works are no longer born out of the direct manipulation of the material, but are, so to speak, worked out from the middle – from where “things and ideas grow”². Objects found at random, fragments accumulated and forgotten in the studio, industrial parts, a material spotted in a shop, everything can be recognised as finished (Fig. 3) or, alternatively, prompt “appropriate” subsequent manipulations (positionings in space, ablations or additions, colouring, movement induction, eventual transformation into another material, etc.) (Figs. 4, 5, 6 and 7). The gesture overlaps the act³: removed from the world of fait accompli, things show us not what they are, but what they can be.
We will not speak here of ready-mades, or of “assisted” ready-mades: sculpture, the central discipline in Ana Santos' training, forms topical and operative alliances, not only with other disciplines (drawing, painting, cinema, architecture, design, and so on), but also with styles, authorships and works anchored in history’s time, through which the artist wanders in a journey as sober as it is humorous. In this mixture of childish play and “absolutely unmixed attention” (which Simone Weil called prayer⁴) each new work will trigger, from scratch, an intimate agreement between time and composition, leaving behind, as the poet Ponge would say, the “memory of a fiery impetus, of a strange poem”⁵.
Like Ponge, Ana Santos seems to believe that returning the spirit to things is the only way in which to refresh them. But this return must also ensure that things are not “damaged”, describing them “from their own point of view”⁶. Attention and play become method: immobilised in repetition, where a first glance tends to fade away, things oscillate in the time of the exercise, showing visibility for what it is.
By creating successive distinct objects (distanced from each other in their technical and formal constitution), Ana Santos performs a kind of ritual inversion of baptism: each thing is ready to lose its generic name, at the same time acquiring its first name – that which Deleuze described as designating “forces, events, movements and moving objects, winds, typhoons, diseases, places and moments, before [they designate] persons”⁷.
From 2017 onwards, this process has undergone a new drift with a “series” of vertical floor pieces, composed primarily of PVC or steel tubular elements, brackets, coloured polyester thread and/or metallic paint (Figs. 8, 9 and 10). From piece to piece, the exploration of the constructive options arising from the limited range of materials – together with the adoption of similar scales, spatial postures and dimensions – obliterates the industrial aspect of the components, favouring the theatrical nature of the whole. Repetitions and differences (double/multiple, rigid/flexible, metallic/coloured, supported/raised, etc.) are balanced in the incessant transformation of “figures” into “scenes” and vice-versa, both within each piece and in their mutual relationships. The protagonisms, actions and plots are expressed in the infinitive – to extend, to receive, to support, to shine, to show, etc. – and each new object consents to declining itself in terms of forms, postures, colours and luminous “embellishments” that characterise its possibility.
Implicit in all the artist's work, a finely calibrated coexistence between gravitas and theatricality, solemnity and dramatisation becomes explicit here, particularly in the pieces from 2021-2022, consisting of a single vertical element (or several joined, as if a single element). Brackets, polyester threads and metal fittings, converted into glittering adornments, punctuate, attach to or supplement the smooth, subtly coloured bodies (Figs. 11, 12, 13 and 14). Without any false modesty, the scenic and ceremonial nature of the entire undertaking is displayed in “gala attire”.
Moreover, the atmosphere of discreet opulence that surrounds the group of vertical pieces also integrates – without robbing them of their autonomy – smaller contemporary floor or wall works, which by association appear as their attributes, emblems or stage props (Figs. 15 and 16).
To the question of the name, which is perhaps still too “private”, is added the more “public” question of the rituals of recognition/consecration in art. We move from baptism to Presentation in the Temple.
Ana Santos is aware that a belligerent attitude, like the one the historical vanguards so often adopted in their war against representation, would today simply become (like any war in the media age) more son et lumières. The continuous unfolding of surfaces and material elements – which in the so-called “tubular” pieces emerges as the process, baroque par excellence, that differentiates each piece from the preceding one – suggests an operative approach and a reflection on experimentation and the limits of its current efficacy, which are the opposite of modernist defiance. If the latter separated the living from the dead, coercively imposing on the former what it in fact extended to the latter, the world of possibility that the artist, with a lightness of gesture, reconstructs from its bits and pieces, implies not distinguishing one from the other.
Sunny and free from any morbidity, Ana Santos' work nonetheless embraces, with lucidity and candour, the scent of ruin – imminent in the “narrative” pieces, evident in those where dissimilarity and technical and formal disparities were the rule. Bonded like sisters, both seem momentarily oblivious of their entry into the “museum”, where incarnations of the New – all first-borns – are amassed.
* “L’homme est un drôle de corps, qui n’a pas son centre de gravité en lui-même. / Notre âme est transitive. Il lui faut un objet, qui l’affecte, comme son complément direct, aussitôt. / Il s’agit du rapport le plus grave (non du tout de l’avoir, mais de l’être). (…) Par bonheur, pourtant, qu’est-ce l’être? – Il n’est que des façons d’être successives. Il en est autant que d’objets. Autant que de battements de paupières”. Francis Ponge, “L’objet c’est la poétique”, in Nouveau Recueil (Paris: Gallimard, 1967).
** “C’est vrai que j’ai passé mon temps à écrire sur cette notion d’événement: c’est que je ne crois pas aux choses.” Gilles Deleuze, Pourparlers (Paris: Minuit, 1990).
NOTES:
1. “No one can be credible as a contemporary today, then, unless they sense how the performative dimension is overtaking the work dimension. (…) [Art] often no longer stands in the world as an autonomous result, eternally severed from its conditions of birth and transposed to the sphere of pure objectification through the label ‘finished’, but rather as a practice crystal frozen in the moment – an indication of a drift from one performative state to the next”. Peter Sloterdijk, You must change your life, trans. W.Hoban (Cambridge: Polity Press, 2013), 211-12:
2. “(…) it's not beginnings and ends that count, but middles. Things and thoughts advance or grow out from the middle, and that's where you have to get to work (…).” / “(…) ce qui compte, ce ne sont pas les débuts ni les fins, mais le milieu. Les choses et les pensées poussent ou grandissent par le milieu, et c’est là qu’il faut s’installer (…).” Gilles Deleuze, Pourparlers (Paris: Minuit, 1990), p. 131.
3. “What is a gesture? Something like the surplus of an action. The action is transitive, it seeks only to provoke an object, a result; the gesture is the indeterminate and inexhaustible total of reasons, pulsions, indolences which surround the action with an atmosphere (in the astronomical sense of the word).” / “Qu’est-ce qu’un geste? Quelque chose comme le supplément d’un acte. L’acte est transitif, il veut seulement susciter un objet, un résultat; le geste, c’est la somme indéterminée et inépuisable des raisons, des pulsions, des paresses qui entourent l’acte d’une atmosphère (au sens astronomique du terme).” Roland Barthes, “Cy Twombly or ‘Non multa sed multum’” [1979], in Cy Twombly (Paris: Seuil, 2016), p. 41.
4. Simone Weil, Gravity and Grace, trans. Emma Craufurd, in Simone Weil. An Anthology (London: Penguin Books, 2005), p. 232.
5. Each swallow indefatigably hurls itself at—constantly practises—a signature, of its own kind, on the sky. / Steel pen, dipped in blue-black ink, you write yourself so fast! / That you leave no mark... / Except, in recollection, the memory of a fiery impetus, of a strange poem, (…)”. / “Chaque hirondelle inlassablement se précipite - infailliblement elle s' exerce - à la / signature, selon son espece, des cieux .. / Plume acérée, trempée dans l' encre bleue-noire, tu t' écris vite! / Si trace n'en demeure .../ Sinon, dans la mémoire, le souvenir d'un élan fougueux, d'un poeme bizarre, (…).” Francis Ponge, Selected Poems, trans. Margaret Guiton, John Montague, and C. K. Williams (Winston-Salem, NC: Wake Forest Univ. Press, 1994), p. 177.
6. If I call them reasons, it is because they lead the mind back to things. Only the mind can refresh things. However, these reasons are right and valid only insofar as the mind returns to things in a way acceptable to things: when they are not slighted, that is, when they are described from their own point of view. / “Si je les nomme raisons c'est que ce sont des retours de l'esprit aux choses. Il n'y a que l'esprit pour rafraîchir les choses. Notons d'ailleurs que ces raisons sont justes ou valables seulement si l'esprit retourne aux choses d'une manière acceptable par les choses: quand elles ne sont pas lésées, et pour ainsi dire qu'elles sont décrites de leur propre point de vue.” Francis Ponge, “Raisons de vivre heureux”, Wikipoemes (https://www.wikipoemes.com/poemes/francis-ponge/raisons-de-vivre-heureux.php).
7. Deleuze, ibid., p. 52.